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22 de jul. de 2010

Visa e Mastercard da iluminação

André Caramuru Aubert

Revista Trip

Guru é uma palavra de origem sânscrita, a junção de "gu", escuridão, com "ru", luz. Ou seja, o guru é aquele que tem a capacidade de conduzir as pessoas da treva (ou ignorância) para a iluminação (ou sabedoria). Com um título desses, ser guru é, ou deveria ser, tarefa de enorme responsabilidade. Mas, é chato admitir, os nossos tempos avacalharam um pouco a profissão. Hoje confunde-se celebridade com sabedoria, e, se você coloca uma câmera, ou um microfone, na cara de alguém, esse alguém se sente imediatamente autorizado a distribuir pitacos de sabedoria, sobre os mais variados temas, a qualquer um que esteja ouvindo. O ponto culminante da idiotia com alto-falante é, salvo melhor sugestão, o BBB, cujos mais afortunados participantes recebem, para sempre, o status de "voz ativa", e até pelas Páginas Negras desta veneranda revista já andaram passando.

Mas nem tudo é culpa deste nosso século de Caras. Alguns gurus do passado tiveram sua parcela de responsabilidade na desvalorização da profissão, especialmente os Rajneesh e Oshos da vida, que descobriram o ouro na Califórnia e criaram verdadeiros impérios "são bem-vindos Visa e Mastercard" da iluminação. O Vaticano não fica atrás. Já há algum tempo envia pensamentos via celular a seus fiéis assinantes, usando as abençoadas ondas eletromagnéticas do SMS, enquanto encobre a pedofilia no mundo real. Sites de relacionamento, blogs & cia. também têm ajudado a democratizar o esclarecimento alheio, com a vantagem de que, se acertar o tom no seu Twitter, até você pode se tornar um guru e, a partir de certo número de seguidores, começará a se sentir tão importante que mesmo você passará a acreditar no que diz.

BLOG DE JESUS

O tempora o mores (ó tempos, ó costumes), diziam os romanos. Fazer o quê? É onde vivemos, neste mundo em que a rebel music de Bob Marley embala nossas compras no supermercado. Dá para saber o que teria feito Che Guevara com o Twitter? Perseguido nas florestas da Bolívia, teria enviado mensagens duras, mas ternas, a milhões de seguidores mundo afora? Ou Jesus Cristo, com um blog? Será que Ele diria (em aramaico?) que o mundo não tem mesmo saída, mas que a entrada você pode parcelar sem juros no cartão?

No fim das contas, acho que o pior não é que os gurus tenham piorado de qualidade, é que eles perderam a sinceridade. Em vez do Iluminismo, o Cinismo. Você pode até achar graça da singeleza de Raul Seixas, que, apesar de trágico, ingênuo e um pouco confuso, era um autêntico candidato a guru. Mas o que dizer de seu ex-parceiro Paulo Coelho? Sem mais perguntas, meritíssimo... O mundo da política não está nem um pouco melhor, com todo mundo lutando para parecer, muito mais do que ser, e onde as sólidas convicções do passado passaram a ter a flexibilidade de um contorcionista do circo de Pequim.

Mas, apesar do falso brilho das celebridades, o fato é que gurus de verdade ainda existem e provavelmente vão existir sempre. Uma das traduções da palavra "guru" é "professor". Um bom professor, que ganha mal e não aparece na mídia, pode ser o maior dos gurus. Eu mesmo tive os meus. Assim como podem ser gurus seus pais ou avós, ou filhos, ou amigos, ou cineastas, ou autores (não estou falando de livros de autoajuda)... Pessoas que podem auxiliá-lo a se formar, a construir seu caminho, a buscar sua luz própria. Que podem auxiliá-lo, enfim, a atingir seu mais verdadeiro sonho, que é, confesse, arrumar uma vaga no próximo BBB. E se tornar, assim, um invejado guru de nossos tempos.

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