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2 de fev. de 2011

A Invasão das gostosas

Por Ivan Martins

Faz tempo que eu não falava com a A.. Uns dois anos, eu acho. Mas bastou ela sentar na minha frente, sorrir e fixar em mim aqueles olhinhos cheios de perguntas para eu me lembrar, instantaneamente, de como essa garota é esperta. Sempre que a gente conversa, fica alguma coisa interessante.

Ontem, por exemplo, quando veio ao meu trabalho, ela contou uma coisa engraçada que eu quero dividir com vocês: A. jura que garotas cultas e inteligentes estão em crise desde que as “gostosas” invadiram o nicho de mercado delas.

Explicação: até o passado recente, segundo a minha amiga, teria funcionado uma divisão mais ou menos clara do mercado sexual. As lindas e gostosas ficavam com seus equivalentes masculinos – os caras bonitos e gostosos – e as mulheres normais pegavam aqueles que, por falta de um nome melhor, eu vou chamar de interessantes: homens boêmios, charmosos, inteligentes, cultos, mais velhos...

Por não serem bonitos ou jovens ou gostosos suficientes (provavelmente nenhuma dessas coisas), esses caras não atraíam a atenção das predadoras mais competitivas. Constituíam, portanto, um nicho sexual.

Para ocupar esse nicho, as interessadas desenvolviam características específicas. Liam muito. Viam bons filmes. Estudavam idiomas. Viajavam. Frequentavam o teatro. Melhoravam, enfim, o seu currículo existencial e cultural.

Afinal, seduzir os homens interessantes parecia requerer mais do que desfilar pela sala e passar as mãos pelo cabelo. Coisas em que elas, aliás, não eram muito boas. Com esses caras era preciso conversar. Era preciso ser também interessante.

Darwin entenderia essa situação perfeitamente, no espírito da adaptação e sobrevivência dos indivíduos. Se você não nasceu a Angelina Jolie, ainda tem chance de se tornar a Sofia Copolla. A diretora de Maria Antonieta e Virgens Suicidasnão é especialmente bonita ou sensual, mas, para milhões de tipos artísticos mundo afora, ela é imensamente atraente. Pelo talento, pelo charme, pelas coisas que faz e diz. Isso é um nicho.

Bom, qualquer que fosse a lógica desse arranjo, minha amiga diz que a divisão harmoniosa de mercado entre gostosas e inteligentes é coisa do passado.

Recentemente, movidas por razões não muito claras, as bonitas sem conteúdo (não confundir com as bonitas com conteúdo, que constituem um grupo à parte) teriam passado a se atirar sobre os homens para o qual não costumavam dar a menor bola: intelectuais, boêmios, artistas, sedentários e coroas, ou isso tudo junto. E os caras correspondem alegremente ao assédio, para indignação das mulheres que passaram anos se preparando para eles.

Não sei a queixa bem-humorada da minha amiga corresponde ao que acontece na realidade. Vocês, leitoras e leitores, me contem. Mas suponho que não. Como tantas coisas nas grandes cidades, é, provavelmente, uma falsa tendência, detectada por um pequeno grupo de amigas para quem o cenário transformado ao redor parece refletir o que acontece no mundo inteiro.

Mas, como eu disse no início, a história é engraçada – e dá o que pensar. Fui dividi-la com um colega de trabalho e ele rebateu instantaneamente: é falso, as mulheres bonitas sempre foram atraídas por homens inteligentes. Lembrou o caso de Marilyn Monroe, que foi casada com o teatrólogo Arthur Miller, um dos crânios americanos da geração dele.

Mas é fato, também, que Marilyn fora casada antes com o jogador de beisebol Joe di Maggio, uma espécie de Ronaldo americano da sua época.

E, qualquer que fossem suas preferências anteriores, Marilyn, morreu em 1962, aos 36 anos, aparentemente envolvida com o presidente John Kennedy, um homem considerado muito atraente, com fama de predador sexual.

O caso Marilyn é, portanto, totalmente inconclusivo.

Ele mostra apenas o que já se sabe: que as mulheres muito bonitas, sejam elas brilhantes ou não, têm facilidade para escolher companhias masculinas. E costumam se aproveitar disso para dar uma boa variada no estilo dos seus acompanhantes. Pensem em Carla Bruni. Ela começou a vida amorosa com roqueiros de fama mundial, passou por filósofos e, no momento, encontra-se com um presidente da República. Se tivesse tentado traçar sua biografia no caminho inverso é provável que também conseguisse.

Mas isso tudo pertence ao universo das celebridades. No mundo das pessoas reais, no qual eu vivo, alguns dos meus amigos coroas-boêmios-cultos namoram mulheres jovens e bonitas. Minha namorada me conta que duas amigas dela também estão saindo com homens mais velhos, que cabem no perfil intelectual. Uma amiga minha, mencionada recentemente nesta coluna, está fazendo o mesmo. Talvez haja de fato uma tendência.

Como eu tenho 50 anos, não nasci com o sorriso do Chico Buarque e gastei lendo o tempo que poderia ter dedicado à academia, sou suspeito para falar. Mas queria dizer uma coisa para a minha amiga A.: não se preocupe demais com a concorrência desleal das gostosonas. Ela é transitória.

Homens interessados por ideias acabam se voltando para mulheres que podem oferecê-las. As pessoas se distraem umas com as outras, são atraídas temporariamente pela diferença, mas é impossível ficar muito tempo com alguém que não fala a sua língua. É uma questão de valores, verdadeira para homens e mulheres. A gente sabe por experiência própria que o amor não é cego, mas já deveríamos ter aprendido que ele tampouco é inteiramente surdo.

Um comentário:

Dan disse...

Lendo esta postagem, lembrei quase que automaticamente de um pequeno parágrafo do Quincas Borba, Machado de Assis.

"...E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo, cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida..."


Contudo, essa é uma discussão que dá 'pano pra manga'...rs