No auge do um dilema, recebo esse texto falando sobre nossa conduta...
Como fazer nossas escolhas, quando defrontados com dilemas aparentemente insolúveis desde o ponto de vista ético? Como conduzir nossas ações para nos manter alinhados com o princípio da não-violência? Como devemos ou podemos viver, de fato, a vida de Yoga? Para facilitar o nosso caminho de praticantes, existe felizmente um código de conduta, conhecido comoyamas e niyamas.
Esse código tem duas versões, das quais a mais conhecida é apresentada pelo sábio Patañjali no clássico texto Yoga Sūtra. Essa versão do código, que deve ser bem familiar ao amigo leitor, consta de dez elementos: cinco yamase cinco niyamas. Estas duas palavras, respectivamente, se referem às recomendações daquilo que deve ser feito, e as que indicam o que deve ser evitado.
Não obstante, existe ainda outra versão, mais antiga e ampla porém bastante menos conhecida, que consta de vinte elementos: dez yamas e dez niyamas. Ela aparece na Śāṇḍilya Upaniṣad e na Varaha Upaniṣad. Também figura na Haṭha Yoga Pradīpikā de Svātmarāma Yogendra e noTirumandiram, texto tâmil do poeta Tirumular.
Estes preceitos de conduta são necessários para que a prática de Yoga renda seus melhores frutos, já que nos dão a estrutura mental e emocional necessárias para facilitar e manter o estado de paz que chamamos justamente Yoga.
Porém, cabe lembrar que eles não devem ser seguidos cegamente, mas precisam ser compreendidos para poderem ser integrados plenamente. Do contrário, haverá repressão e, junto com ela, a posibilidade de nos equivocar.
Os dez primeiros preceitos, yamas, têm como objetivos fundamentais providenciar um suporte para cultivarmos uma mente purificada e facilitar o convívio com a sociedade, os demais seres vivos e o meio-ambiente. Para evitar repetir assuntos que já abordamos em textos anteriores, seremos sucintos em rel ao que já vimos noutas edics, e nos concentraremos nos assuntos novos ou menos evidentes que nos traz este código, quando comparado com o do Yoga Sūtra.
Yamas: as proscrições éticas.
A palavra yama significa controle em sânscrito. Assim como no sistema ensinado por Patañjali, o passo inicial da vida de Yoga é ahiṁsā, a não-violência em pensamento, palavra e ação. O segundo, o terceiro e o quarto passos também são similiares aos propostos por aquele sábio: dizer sempre a verdade de forma amorosa, ser honesto e coerente nos relacionamentos. Respectivamente, satya, asteya e brahmacharya. Resumindo estes quatro princípios, podemos dizer que eles consistem em não fazer aos demais o que no gostaríamos que fizessem conosco.
Por outro lado, kṣamā e dhṛti consistem em cultivarmos a paciência e o equilíbrio internos para que os relacionamentos possam fluir da melhor maneira. Dāya, por sua vez, é cultivar atitudes compassivas e realizar ações concretas para acabar com o sofrimento dos demais. Arjavaṅ é fazer coincidir o que pensamos com o que dizemos e o que fazemos.
Curiosamente, o nono preceito é manter uma dieta vegetariana. Essa é uma das maneiras mais concretas de diminuir ou eliminar o sofrimento produzido pelas nossas opções alimentares. O último yama é śauchaṅ, a purificação. Ele consiste não apenas em cultivar a higiene física, mas também a pureza em pensamentos e emoções.
Niyamas: as prescrições éticas
Os niyamas são recomendações sobre como cultivar atitudes e realizar práticas concretas que facilitem nos manter no estado de Yoga. Enquanto o primeiro grupo de preceitos tinha como objetivo facilitar o nosso convívio com o mundo, este segundo conjunto visa a organizar a nossa vida pessoal.
Tapaḥ é realizar um esforço sobre si próprio em prol do aperfeiçoamento pessoal. Isso nos ajuda a manter o foco em mokṣa, a libertação, objetivo mais importante do Yoga. Saṅtoṣa é cultivarmos o estado de contentamento e paz a cada momento. Āstikyaṁ se traduz como confiança ou aceitação do testemunho das escrituras que revelam o conhecimento sobre si mesmo.
Dāna é a prática da caridade, na qual dedicamos uma parte do nosso tempo, esforço ou recursos para aliviar as penúrias dos demais.Īśvarapūjanam, japa e hutam, o quinto, o nono e o décimo preceitos, são práticas rituais de oferenda, meditação e mantras que nos ajudam a relativizar nossos próprios problemas, ao tirar o foco da atenção das coisas do nosso ego.
Para realizarmos o auto-estudo, chamado aqui siddhāntavākyaśranaṇaṁ, existem diversos modelos da psicologia humana nas escrituras do Yoga. Eles funcionam como mapas do psiquismo. Recomenda-se escolher um desses modelos para compreender os comos e porquês da nossa personalidade e temperamento, bem como os caminhos que irão nos levar a completar o aperfeiçoamento do nosso caráter.
Um dos niyamas mais lindos é hrīḥ, que nos recomenda ter uma vida simples, evitando complicações desnecessárias. Isso vai desde ser seletivo com a quantidade de atividades que realizamos no cotidiano, a sermos disciplinados para não virar escravos dos gadgets tecnológicos tão comuns atualmente. Mati, o discernimento, é essencial para completar o processo de autoconhecimento. Cultivar o discernimento é o que nos permite, uma vez em contato com Brahmavidyā, o ensinamento sobre si mesmo, dar valor a ele e realizar o que nos propõe: já somos a felicidade que estamos buscando.
Yamas e niyamas na prática.
OK, agora que você já tem o pacote completo, cabe ainda pensar em como irá se relacionar com ele. Para tanto, lembremos que este código se aplica na prática através de pequenos votos temporários, relativos a cada um dos preceitos. Começamos com os que nos forem mais naturais, evoluindo posteriormente em direção àqueles com os quais tivermos mais dificuldades.
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